quarta-feira, 1 de julho de 2009

Apenas um instante no tempo


Acordo como de costume e, de repente, ao olhar-me no espelho deparo-me com uma sensação, certa espécie de estranhamento em relação à imagem que vislumbro.
Eu sei que sou àquela ali; uma representação tridimensional de um eu, dos inúmeros que habitam meu ser. Escovo os dentes, tomo um banho, dirijo-me à cozinha no intuito habitual de preencher o vazio do estômago após um longo adormecer.
Sento-me à mesa, folheio o jornal e ao olhar para cima da página percebo esta, meio apagada, desfocada, mas, mesmo assim procuro ler para me atualizar em relação às notícias do dia.
Quase no mesmo instante, sinto mais uma vez aquele estranhamento antes observado, uma sensação de ser e de estar estrangeira diante do espaço que me envolve.
Sinto-me presa ao tempo. Procuro uma resposta em minha mente inquieta. Ouço uma voz sussurrando no ar: “Sou eu, seu pensamento e a resposta às suas indagações, está implícita em suas sensações; falando claro, você não pertence a este tempo!
Você é do tempo de brincadeiras de criança, de gentilezas manifestadas, de abraços fraternos, de cartas de amor, de colo de vó, de conversas à toa, de cheiro de mato e de céu estrelado, de sonhos, de devaneios, de anseios e ideais coletivos. Um tempo de histórias fantásticas, de contos de fadas, de finais felizes...”
Após ouvir estas revelações de minha mente, paro, penso e digo: “Espera Sophia, este ou estes tempos realmente existiram, ou serão apenas projeções de uma mente nostálgica por aquilo que deveria ser mais não foi?”
Ouço mais uma vez: “Calma Sophia, pois o tempo é outro, o mundo é outro, você não é daqui. Você realmente é uma estrangeira em relação à realidade que a cerca. O mundo cresceu, transformando flor em pedra, rio em lama, compaixão em indiferença, pessoas em números e você; você mesma que ainda sorri,chora,sente e sonha não existe para este mundo.
A liberdade e a palavra são suas únicas armas para fugir desta realidade que o mundo criou. Tente tocar o mundo como se fosse um instrumento, toque uma música para chamar a atenção do sol, da lua, das estrelas, dos oceanos.Organize um baile à moda antiga, para que todos, sem exceção possam dançar a dança da vida, da esperança e da liberdade. Nada é tão rígido ou imutável. O caos pertence a este mundo; um caos organizado, pronto para fazer e desfazer qualquer coisa.”
Ah! Então sou isto, um instante no tempo, que depende de minha vontade para se fazer existir.


Sophia

Um comentário:

  1. Adriana (ou melhor Sophia) revela neste poema sensível e reflexivo uma realidade incontestável: não existimos senão como intervalo entre o que fomos e o que seremos, daí o vazio inerente a esta condição.

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